sábado, 1 de março de 2008

A Morte da Enceradeira

Em todos os lares
tinha esse utensílio,
que com seus movimentos circulares
deixava tudo brilhante.
Mas seu barulho era tão lancinante!
Nada como a morte para devolver a paz.
Hoje é um objeto raro.
Ninguém encontra mais em lugar nenhum
As lojas deixaram de vender.
As fábricas pararam de fabricar.
O jornal “O Globo” publicou seu atestado de óbito.
Óbvio, os tempos hoje são outros.
Acho que o povo nem tem mais tempo pra ficar encerando o chão.
Jogam logo um produto químico de limpeza geral e já muda todo o astral da casa.
Mas e o ritual?
Que nada! Tempo hoje é dinheiro.
Cheiro é visão.
Visão é ficar com um mínimo de pó.
Brilho? O negócio é não receber visitas.
- Marca um almoço fora!
Pro nosso dia-a-dia tanto faz, não vamos reparar mesmo.
Mas ler uma notícia dessas dá uma certa dor, um saudosismo. Parece que o tempo vai passando e a roda da história vai nos arrancando as lembranças concretas. Talvez por falta de espaço também.
Tempo e espaço.
Imagine só, uma enceradeira ocupando espaço em um apartamento de dois quartos.
Ou é a enceradeira, ou o cachorro, ou o bonsai.
Não tem condição de coabitar tudo isso!
A enceradeira assusta o cachorro.
O cachorro come o bonsai.
O bonsai deixa o aspecto da casa mais bonito. Ninguém vai reparar no chão.
Taí! O bonsai é o culpado pela morte da enceradeira!
Como são as coisas né? A popularização de certos objetos (planta) e o desuso (descaso) de outros.
Mas que o bonsai de jabuticabeira faz bater a saudade da casa da fazenda, com suas barulhentas enceradeiras, isso faz!
Que bom que o cheiro do café continua, agora pra lembrar que é preciso acordar para o trabalho, ou manter-se acordado para este.
E o cachorro late ao longe...


Heitor Branquinho é compositor, cantor, instrumentista e poeta. Mora em São Paulo mas é natural de Três Pontas – MG.
heitorbranquinho@gmail.com


Texto publicado no jornal "Cidades em Foco", coluna "deu branco..." no dia 14-12-2007



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